Sumário
A ilegalidade do abatimento da pensão previdenciária por morte do Policial e Bombeiro Militar na pensão especial paga em decorrência de falecimento em ato de serviço. Visão Jurisprudencial.
Sabe-se que a pensão por morte é um benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado que vierem a falecer, estando ou não aposentado, aplicando-se o princípio tempus regit actum nas relações previdenciárias, segundo o qual devem vigorar as regras vigentes ao tempo em que foram preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício.
Por outro lado, a pensão especial possui natureza indenizatória e é devida aos dependentes de policial em razão de falecimento em serviço, por acidente ou moléstia profissional, não se confundindo com a pensão por morte comum, de caráter previdenciário e contributivo, devida aos dependentes dos segurados da Previdência Social.
E de índole diversa, à vista de seu reconhecido caráter indenizatório exatamente por decorrer de mortes ocorridas em função do serviço, inconfundível com aquela outra, de índole previdenciária, resultante da morte comum, como uma contraprestação às contribuições descontadas dos vencimentos do servidor, quando vivo.
Esse é o entendimento do E.STF que já se posicionou sobre o assunto, como, v.g., no ARE 1464943 RJ
Tal entendimento já está pacificado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Direito Administrativo e Previdenciário. Ação de obrigação de fazer. Percepção cumulada de pensão previdenciária e pensão especial em decorrência de falecimento de Policial Militar em serviço. Pretensão autoral de cessação do abatimento da pensão previdenciária na pensão especial. Sentença de procedência. Apelação da parte ré. Autarquia integrante da administração pública indireta estadual, responsável pelos pagamentos das pensões comuns e especiais, nos termos do artigo 1º, § 1º da Lei nº 3.189/99, que criou o atual regime previdenciário do Estado do Rio de Janeiro. Ausência de nulidade na sentença, que observou a legislação regente. Benefício que a partir de dezembro de 2017 vem sofrendo descontos ao argumento da impossibilidade de acumulação de pensão especial com a pensão previdenciária. Verbas de naturezas distintas, uma indenizatória e a outra previdenciária. Possibilidade de cumulação reconhecida por este Tribunal Estadual em decorrência das disposições contidas no artigo 26-A da Lei Estadual nº 5.260/2008, regulamentado pelo Decreto nº 46.400/2018, bem como na Lei Complementar Estadual nº 195/2021. Incidência do disposto nos artigos 42, “caput” e § 2º da Constituição Federal, que trata sobre os pensionistas dos policiais militares. Inadmissibilidade do desconto efetuado sem prévio procedimento administrativo e em desrespeito ao prazo decadencial para o exercício do poder de autotutela pela Administração Pública. Sentença de procedência que se prestigia por seus fundamentos e conclusões. Recurso desprovido.
(TJ-RJ – APL: 02477781320198190001 202300138083, Relator: Des (a). JOSÉ CARLOS VARANDA DOS SANTOS, Data de Julgamento: 05/07/2023, SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO (ANTIGA 10ª CÂMA, Data de Publicação: 07/07/2023)
“MANDADO DE SEGURANÇA. ABATIMENTO DE PENSÃO ESPECIAL EM VALOR CORRESPONDENTE À PENSÃO PREVIDENCIÁRIA COMUM PAGA PELO RIOPREVIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA DISTINTA. CONCESSÃO EM PARTE DA SEGURANÇA. A impetrante pretendeu a sustação dos descontos sobre a pensão especial que recebe pela morte em serviço de seu filho, policial militar, em valor correspondente à pensão previdenciária comum paga pelo Rioprevidência. Abatimento realizado a par de qualquer processo administrativo. Benefício recebido há mais de 17 (dezessete) anos. Filho da impetrante que faleceu durante a vigência do Decreto Estadual nº 3.044/1980, com redação alterada pela Lei nº 330/1980, que excluiu do Regulamento do Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro o artigo 258, a autorização para o abatimento das importâncias correspondentes à pensão recebida do IPERJ da pensão especial recebida em razão da morte em serviço. Benefícios com natureza distinta. Possibilidade de cumulação. Precedentes do TJRJ. Direito líquido e certo da impetrante à percepção dos valores decorrentes da pensão especial e da promoção post mortem do servidor falecido em serviço, sem abatimento do valor percebido a título de verba previdenciária. Condenação à repetição dos valores indevidamente descontados que só poderá retroagir à data da impetração do writ. Mandado de segurança que não pode ser utilizado como sucedâneo de ação de cobrança. Enunciados 269 e 271, do STF. CONCESSÃO EM PARTE DA SEGURANÇA, PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO”. (007XXXX-63.2020.8.19.0000 – MANDADO DE SEGURANÇA – Des (a). ALCIDES DA FONSECA NETO – Julgamento: 24/02/2021 – VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)
“APELAÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO ESPECIAL E PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. ABATIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. A pensão especial é concedida aos beneficiários de policial falecido em razão de agressão sofrida no desempenho de suas funções está prevista no art. 28, do Decreto-lei nº 218/75. No caso dos autos, o apelante sustenta a impossibilidade de cumulação da pensão especial e pensão previdenciária, razão pela qual os descontos realizados no benefício da autora são lícitos, pois se referem ao abatimento da pensão previdenciária. Sustenta que deve ser aplicado ao caso o Estatuto dos Policiais Civis e o Estatuto dos Servidores Públicos, de forma que a pensão especial tem caráter complementar à pensão previdenciária, cuja soma não ultrapasse 100% do salário do servidor em vida. É bem verdade que o Decreto Estadual nº 3.044/80 possuía norma que previa sobre a complementação da pensão previdenciária pela pensão especial. Contudo, o referido artigo foi revogado expressamente pelo artigo 5º, da Lei nº 330/1980. Ora, em tendo o referido artigo sido revogado, não se mostra razoável que se utilizasse dele, mediante a interpretação proposta pelo agravante. Ademais, deve-se ressaltar que o Decreto Estadual nº 2.479/79, que trata do Regulamento do Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro, preveja o abatimento, certo é que o Decreto nº 3.044/80 é posterior ao Estatuto e não reproduziu em seu texto a redação do art. 258 mencionado, razão pela qual não merece acolhida o argumento recursal. Como se não bastassem tais fundamentos, é entendimento reiterado que a pensão especial tem manifesto caráter indenizatório, até mesmo porque decorre das mortes ocorridas em função do serviço, o que lhe confere caráter diferenciado. Já a pensão por morte possui natureza previdenciária, decorrente das contribuições descontadas dos vencimentos do servidor, quando vivo. Logo, as pensões possuem naturezas distintas, não havendo que se falar em compensação, nem tampouco em ilegalidade na cumulação, até mesmo porque o art. 40, § 2º, da CR trata exclusivamente do valor e limite dos benefícios de natureza previdenciária. Desprovimento do recurso”. (031XXXX-54.2018.8.19.0001 – APELACAO / REMESSA NECESSARIA – Des (a). RENATA MACHADO COTTA – Julgamento: 12/04/2021 – TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)
A Administração argumenta que o art. 161 do Decreto Estadual nº 3.044/80 previa a complementação da pensão previdenciária pela pensão especial. Todavia, dispositivo expressamente revogado pelo artigo 5º, da Lei nº 330/19802, em ordem a tornar autônoma ambas as pensões por morte, porquanto uma delas de índole diversa, pois que fundada em morte decorrente de agressões ou acidente de serviço.
Salienta-se que a pensão especial é concedida pelo Estado aos policiais que faleceram em decorrência do exercício de sua função profissional, conforme o art. 26-A, inciso II, da Lei no 7.628, de 2017, in verbis:
“Art. 26-A – Será pago adicional de 100% (cem por cento) aos benefícios da pensão por morte ,observando-se os limites constitucionais sobre o total, quando o óbito decorrer no exercício das funções para os beneficiários dos segurados das seguintes carreiras:
(…)
II – Policiais Militares;
Do artigo acima colacionado, depreende-se cabalmente que aos beneficiários do benefício de pensão por morte cujo instituidor faleceu decorrente de ato de serviço, é cabível o adicional de 100% (cem por cento) previsto em lei, sem que haja qualquer abatimento.
Assim, a aludida lei estabelece apenas dois requisitos necessários para a aplicação do referido adicional, quais sejam: (i) que o instituidor da pensão seja integrante de uma das carreiras vinculadas a segurança pública do Estado – polícia civil, polícia militar, bombeiro militar, inspetor de segurança e administração penitenciário ou agente socioeducativo e (ii) que o instituidor tenha falecido em virtude de ato de serviço.
Ressalte-se que o referido dispositivo legal foi regulamentado pelo Decreto no 46.400/18, o qual, dentre outras providências, estabeleceu que a referida pensão especial deve ser paga no percentual de 100%, incidente sobre o valor referente aos benefícios de pensão por morte, notadamente no art. 2º.
Art. 2o – Nos termos do art. 26-A, da Lei no 5.260, de 11de junho de 2008, será pago, às expensas do Tesouro Estadual, adicional de 100% (cem por cento) incidente sobre o valor referente aos benefícios de pensão por morte, quando o óbito decorrer do exercício de funções dos integrantes das seguintes carreiras:
I – Policiais Civis;
II – Policiais Militares;
III – Bombeiros Militares;
IV – Inspetores de Segurança e Administração
Penitenciária;
V – Agentes Socioeducativos.
Art. 5o – Considera-se existente o nexo causal entre o falecimento e o efetivo exercício das funções do agente público quando a morte ocorrer nas seguintes hipóteses:
I – Repressão de ações criminosas durante a escala de serviço do falecido;
II – Ataque de terceiros ao falecido durante o cumprimento de sua escala de serviço ou em razão de sua condição de integrante de uma das carreiras elencadas nos incisos I a V do art. 2o; III – ataque de terceiros a dependências de órgãos públicos ou veículos de propriedade ou a serviço da Administração Pública;
IV – Acidente ocorrido nas dependências de órgãos públicos ou com veículos de propriedade ou a serviço da Administração Pública;
V- Repressão de ações criminosas realizadas por terceiros, ainda que fora da escala de serviço do servidor ou militar falecido; VI – realização de operações de resgate ou socorro, durante a escala de serviço;
VII – prática de ato de resgate ou socorro a terceiros, ainda que fora da escala de serviço;
VIII – realização de ações de fiscalização no âmbito de unidade prisional ou de ação socioeducativa;
IX – Realização de ações disciplinares ou de contenção de distúrbios no âmbito de unidade prisional ou de ação socioeducativa, e
X – realização de treinamento, manobra ou sessão de instrução regularmente determinada pelo órgão a que se vinculava o agente público falecido.
Dessa forma, as viúvas ou dependentes do Policial ou Bombeiro Militar falecido em ou em decorrência deste, que tem no seu contracheque da Pensão Especial o desconto número 4030, devem procurar advogado especializado nessa área para, por meio do Poder Judiciário, fazer cessar a ilegalidade do referido abatimento.